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quinta-feira, 5 de novembro de 2015

[Filosofia] AULA 08: O EMPIRISMO

Nessa postagens encontraremos conteúdos da apostila de Filosofia que estão relacionados ao tema "empirismo" que foi amplamente discutido com os alunos dos 1º anos do Colégio Morumbi Sul.

Faça uma experiência simples: pegue um objeto, segure-o a uma certa altura do chão e largue-o. Logicamente, ele cairá.
Mais do que simples, essa experiência pode ser considerada banal, mas certamente foi importante para que Newton desenvolvesse a teoria da gravitação, uma vez que ele se baseou nos fenômenos observados na natureza para criar modelos matemáticos de explicação. Em outras palavras, as teorias de Newton simplesmente se fundamentam em eventos da natureza que costumam se repetir. Porém, o que garante que eles vão continuar se repetindo? Existe algo que prove que as leis da natureza, conforme as conhecemos, vão continuar sendo válidas no futuro?


Observe a imagem:
Robert Rauschenberg. White painting (três painéis), óleo sobre tela, 1951.

Nos anos 1950, o artista plástico norteamericano Robert Rauschenberg revolucionou o mundo das artes ao apresentar suas primeiras White paintings (pinturas brancas).
Muito antes de Rauschenberg propor essa reflexão sobre a importância do branco – do vazio – para a construção de significados, ele já era tema da Filosofia. Como veremos nesta aula, John Locke – importante pensador inglês do século XVII – concebeu nossa mente como um “painel em branco”. Dessa forma, estabeleceu um diálogo crítico com Descartes e refutou a teoria racionalista sobre as ideias inatas.
Mas, afinal, qual o significado de compor e expor uma tela em branco? E por que a concepção de Locke é tão importante? É o que vamos tentar entender agora.

O empirismo
Durante o século XVII, surgiu na Inglaterra um intenso questionamento sobre o racionalismo de Descartes. Esse questionamento deu origem a uma nova tradição, baseada no empirismo.
A oposição entre racionalismo e empirismo retoma muitas das questões que surgem quando se contrapõem as teorias do conhecimento de Platão e de Aristóteles. O empirismo, assim como a teoria aristotélica fundamenta-se no princípio de que todas as ideias se originam da experiência sensível. Dessa forma, o conhecimento verdadeiro buscado pela Filosofia deve basear-se no conhecimento da natureza (obtido, por exemplo, pela Física experimental), e não num modelo matemático abstrato e rigorosamente dedutível, como queria Descartes. O uso da Física como paradigma – isto é, modelo – desse novo tipo de pensamento reflete a forte impressão causada pelas descobertas do também inglês Isaac Newton (1642 – 1727) em seus contemporâneos.
Dois dos mais ilustres pensadores empiristas britânicos foram John Locke (1632 – 1704) e David Hume (1711 – 1776). Vamos agora conhecer suas teorias.

John Locke
“Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel branco, desprovida de todos os caracteres, sem quaisquer ideias; como ela será suprida? De onde vem este vasto estoque, que a ativa e que a ilimitada fantasia do homem pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde obtém todos os materiais da razão e do conhecimento? A isso respondo, numa palavra, da experiência. Todo nosso conhecimento está nela fundado, e da experiência deriva fundamentalmente o próprio conhecimento.”
Com essas palavras – extraídas do livro Ensaio acerca do entendimento humano – John Locke afirma suas convicções empiristas. Nessa mesma obra, rejeita o pensamento cartesiano dizendo: se existe uma razão inata (ou seja, com a qual já nascemos) e que seria a origem do conhecimento, para que serviriam nossos sentidos? Os sentidos servem, evidentemente, para obtermos o conhecimento das coisas. Então por que deveria existir alguma outra fonte do conhecimento? Segundo Locke, nossas ideias derivam da reflexão sobre o que foi apreendido pelos sentidos. A experiência externa proporcionada pelos sentidos tornaria possível a experiência interna. Assim, experiência e reflexão seriam as fontes de todas as ideias.
Locke identifica dois tipos de ideias: as simples e as complexas. Ideias simples são aquelas que surgem dos sentidos e da reflexão. As ideias simples originadas dos sentidos dependem das qualidades dos objetos. Existem qualidades primárias (como extensão, forma, repouso e movimento, solidez), que são objetivas – portanto, percebidas da mesma forma por todas as pessoas –; e qualidades secundárias (como gostos, odores, ruídos e sons), que são interpretadas e sentidas de forma diferente por diferentes sujeitos. Já as ideias simples produzidas pela reflexão são operações mentais, como percepção, retenção, discernimento, comparação. As ideias complexas surgem a partir da combinação de várias ideias simples. Por exemplo, podemos combinar em nossa mente as ideias simples de espaço, duração e quantidade e, a partir delas, criar a ideia complexa de infinito.
A investigação sobre os processos mentais e a origem do conhecimento empreendida por Locke tem um sentido moral, na medida em que é vista como forma de aperfeiçoar a vida dos homens. Sua preocupação com o caráter social da existência humana deu origem a importantes escritos políticos, que examinaremos mais adiante.

David Hume
O pensamento de Hume, marcado por forte ceticismo, parte da constatação, típica do empirismo, de que aquilo que se apresenta ao conhecimento é fruto das impressões (proporcionadas pelos sentidos) e da articulação de ideias (representações da memória e da imaginação, por sua vez, cópias modificadas das impressões). Os fatos concretos, percebidos pelos sentidos, devem ser aceitos como tais; não necessitam, portanto, de nenhuma demonstração. As ideias, bem como suas articulações, também têm origem na experiência. Por exemplo, quando percebemos o movimento, podemos intuir os conceitos de espaço e tempo.
Para Hume, é impossível um conhecimento que não tenha bases concretas, e as próprias palavras, quando usadas para se referir a algo que esteja além do concreto, não têm significado. Por exemplo, a afirmação de que o universo é formado por duas substâncias (matéria e espírito) é vazia, uma vez que o conceito de “substância” não se relaciona a nenhuma experiência dos sentidos.
Todavia, Hume vê uma limitação na capacidade humana de conhecer: a tendência a estabelecer relações de causalidade. Quando observamos que uma bola de bilhar bate na outra e provoca movimento, dizemos: “a bola moveu-se porque uma outra a atingiu”. Para Hume, tal frase não tem sentido porque está baseada em uma noção de causalidade que não pode ser comprovada. “A bola moveu-se” é verdadeiro, “uma outra a atingiu” também é verdadeiro: ambos os fatos são impressões visuais. O que não se explica é a palavra “porque” unindo as duas proposições. Segundo Hume, a origem desse porquê reside na forma como percebemos um hábito da natureza: os dois fenômenos sempre se repetem, e isso nos leva a crer que continuarão a se repetir. Portanto, as relações de causa e efeito com que lidamos (base das ciências) estão fundamentadas na crença.
Dessa constatação, conclui-se que as únicas certezas que a Filosofia nos proporciona se encontram no campo da moral, identificada por Hume como um conjunto de virtudes aprovadas pela sociedade conforme sua utilidade. Por exemplo, não há um fundamento lógico para a existência da propriedade privada, mas simplesmente o reconhecimento de que esse tipo de instituição poderia ser útil aos homens, ou seja, adequada a uma situação considerada boa.
A desconfiança de Hume em relação à causalidade pode ser vista como um questionamento sobre as supostas certezas geradas pelo conhecimento científico. Porém, seu alvo era outro. Ao estabelecer uma crítica ao princípio da causalidade, Hume pretendia questionar toda uma tradição do pensamento metafísico segundo a qual, se todas as coisas do mundo têm uma causa, então deve haver uma causa primeira, isto é, um deus criador do universo.


Exercícios

1. Assinale R para as afirmações que se referem ao racionalismo, e E para as que se referem ao empirismo:
a) Explica os fenômenos a partir dos princípios. ( )
b) Baseia-se na razão. ( )
c) Tem como modelo a Física. ( )
d) Tem como método a teoria. ( )
e) Baseia-se na experiência. ( )
f) Explica os princípios a partir dos fenômenos. ( )
g) Tem como modelo a Matemática. ( )
h) Tem como método o experimento. ( )


2. a) De certa maneira, os empiristas retomam ideias de um importante pensador grego. Quem é esse pensador?

b) Apesar dessa retomada, Hume, em específico, nega um princípio fundamental para a teoria desse filósofo. Qual?


3. Leia as frases que seguem. Em sua opinião, qual delas pode ser atribuída a Locke? Qual pode ser atribuída a Descartes? Justifique sua resposta.

I. “Primeiramente, considero haver em nós certas noções primitivas, as quais são como originais, sob cujo padrão formamos todos os nossos outros conhecimentos.”

II. “Penso não haver mais dúvida de que não há princípios práticos com os quais todos os homens concordam e, portanto, nenhum é inato.”

Tarefa mínima

Supondo de novo que o mesmo homem tenha adquirido mais experiência e que tenha vivido o suficiente no mundo para observar que os objetos ou eventos familiares estão constantemente ligados; qual a consequência desta experiência? Imediatamente infere a existência de um objeto pelo aparecimento de outro. Entretanto não adquiriu, com toda sua experiência, nenhuma ideia ou conhecimento do poder oculto, mediante o qual um dos objetos produziu o outro; e não será um processo de raciocínio que o obriga a tirar esta inferência. Mas ele se encontra determinado a tirá-la; e mesmo se ele fosse persuadido de que seu entendimento não participa da operação, continuaria pensando o mesmo, porquanto há um outro princípio que o determina a tirar semelhante conclusão. Este princípio é o costume ou hábito. (…) O costume é, pois, o grande guia da vida humana. É o único princípio que torna útil nossa experiência e nos faz esperar no futuro uma série de eventos semelhantes àqueles que apareceram no passado. Sem a influência do costume, ignoraríamos completamente toda questão de fato que está fora do alcance dos dados imediatos da memória e dos sentidos. Nunca poderíamos saber como ajustar os meios em função dos fins, nem como empregar nossas faculdades naturais para a produção de um efeito. Seria o fim de toda a ação como também de quase toda especulação.
(David Hume, Investigação acerca do entendimento humano.)

Sobre o texto, responda:

1. Qual o significado da expressão “poder oculto”, que aparece no primeiro parágrafo?

2. Hume desconfia das explicações da ciência, mas jamais diminui a importância do conhecimento dos hábitos da natureza. A partir do texto, procure identificar elementos que comprovem essa importância.

Tarefa complementar

Lygia Clark, Diálogo: Óculos, 1968 (da série Objetos sensoriais, 1966 – 1968).
A discussão sobre a importância da experiência para a construção de sentido não se limita à Filosofia, expandindo-se para as questões de nosso cotidiano.
Um exemplo de como ela continua atual é o debate sobre os prejuízos da tecnologia para as relações humanas, principalmente num momento histórico em que o contato com o mundo é cada vez mais mediado pelos novos meios de comunicação, em especial pela internet. Assim, muitos afirmam que corremos o risco de o virtual se sobrepor ao real e enxergam na virtualidade um afastamento perigoso da experiência e da realidade concreta, com todos os prejuízos que isso pode acarretar, dentre eles, o fortalecimento do individualismo, da alienação, da solidão e da indiferença em relação ao outro. Sobre isso, leia o trecho que segue:

A vida ficcional
Vivemos uma vida crescentemente ficcional. São muitos os sintomas. O cuidado narcísico de si; o corpo físico como território livre para intervenções médico-estéticas; a recusa da angústia; a busca por oportunidades de reafirmar e estender nossa identidade e marca pessoal; a tribalização das relações como alternativa ao esgarçamento dos laços familiares; a obsessão pela fama ou ainda a “febre” confessional dos blogs.
Estamos à procura de cosméticos do corpo e da alma. Apreciamos narrativas de origens, fantasias sobre tempos remotos e tramas misteriosas. Os híbridos de ficção e realidade nos encantam. De certa forma, estamos em busca de nosso avatar*. E é sintomático que seja esse o termo (oriundo do sânscrito) usado para designar os participantes em muitos ambientes e comunidades virtuais: afinal, quer-se algo de transcendente na imanência* do cotidiano.
Neste sentido, mundos virtuais 3D como o Second Life são autênticos palcos para a vida ficcionalizada, plataformas para exercício da subjetividade contemporânea. Não é por outra razão que o Second Life seduz a mídia e as marcas (globais e locais).(…)
A intensidade icônica* do Second Life faz da vida virtual uma projeção ficcional da vida real, on-line e no tempo do relógio real. Se vida real insiste porque a ela estamos atados, a vida virtual seduz, pois nela agimos como atores e diretores de narrativas de vida. (…)
(Abel Reis em http://p.php.uol.com.br/tropico/ html/textos/2860,1.shl, acesso em 06/02/2008.)

* avatar: na crença hinduísta, descida de um ser divino à Terra, em forma materializada (adaptado do sânscrito avatára, que significa “descida do Céu à Terra”).
* imanência: atributo do que é inerente ao mundo concreto e material, à natureza; a realidade material, em sua concretude.
* icônica: relativo a ícone (signo que apresenta uma relação de semelhança ou analogia com o objeto que representa).

Como você interpreta o último período do texto: “Se vida real insiste porque a ela estamos atados, a vida virtual seduz, pois nela agimos como atores e diretores de narrativas de vida”? Na sua opinião, a construção de mundos virtuais prejudica nosso contato com o mundo real?


Leitura complementar

Leia agora crônica de Machado de Assis, em que ele defende a necessidade de uma postura crítica e, mais que isso, cética diante das ideias que nos são impostas.

O mundo das ideias
“Há alguém, disse o Sr. Senador João Alfredo, citando um velho dito conhecido, há alguém que tem mais espírito que Voltaire, é todo o mundo.”
Não sei se já alguma vez disse ao leitor que as ideias, para mim, são como as nozes, e que até hoje não descobri melhor processo para saber o que está dentro de umas e de outras, – senão quebrá-las.
Aos vinte anos, começando a minha jornada por esta vida pública que deus me deu, recebi uma porção de ideias feitas para o caminho. Se o leitor tem algum filho prestes a sair, faça-lhe a mesma coisa. Encha uma pequena mala com ideias e frases feitas, se puder, abençoe o rapaz e deixe-o ir.
Não conheço nada mais cômodo. Chega-se a uma hospedaria, abre-se a mala, tira-se uma daquelas coisas, e os olhos dos viajantes faíscam logo, porque todos eles as conhecem desde muito, e crêem nelas, às vezes mais do que em si mesmos. É um modo breve e econômico de fazer amizade.
Foi o que me aconteceu. Trazia comigo na mala e nas algibeiras uma porção dessas ideias definitivas, e vivi assim, até o dia em que, ou por irreverência do espírito, ou por não ter mais nada que fazer, peguei de um quebra-nozes e comecei a ver o que havia dentro delas. Em algumas, quando não achei nada, achei um bicho feio e visguento.
Não escapou a este processo a ideia de que todo o mundo tem mais espírito do que Voltaire, inventada por um homem ilustre, o que foi bastante para lhe dar circulação. E, palavra, no caso desta, senti profundamente o que me aconteceu.
Com efeito, a ideia de que todo o mundo tem mais espírito do que Voltaire é consoladora, compensadora e remuneradora. Em primeiro lugar, consola a cada um de nós de não ser Voltaire. Em segundo lugar, permite-nos ser mais que Voltaire, um Voltaire coletivo, superior ao Voltaire pessoal. Às vezes éramos vinte ou trinta amigos; não era ainda todo o mundo, mas podíamos fazer um oitavo de Voltaire, ou um décimo. Vamos ser um décimo de Voltaire? Juntávamo-nos; cada um punha na panela comum o espírito que deus lhe deu, e divertíamo-nos muito. Saíamos dali para a cama, e o sono era um regalo.
Perdi tudo isto. Peguei desta compensação tão cômoda e barata e deitei-a fora. Funesta curiosidade! O que achei dentro, foi que todo o mundo não tem mais espírito que Voltaire, nem mais gênio que Napoleão. (…)
Sim. Meus amigos. Choro lágrimas de sangue com a minha descoberta; mas que lhes hei de fazer? Consolemo-nos com o ser simplesmente Macário ou Pantaleão.
Multipliquemo-nos para vários efeitos, para fazer um banco, uma câmara legislativa, uma sociedade de dança, de música, de beneficência, de carnaval, e outras muitas em que o óbolo* de cada um perfaz o milhão de todos; mas contentemo-nos com isso.
Nem me retruque o leitor com o fato de ter de um lado a opinião do autor da ideia, e as gerações que a têm repetido e acreditado, enquanto do outro estou apenas eu. Faça de conta que sou aquele menino que, quando toda a gente admirava o manto invisível do rei, quebrou o encanto geral, exclamando: – El-rei vai nu! Não se dirá que, ao menos nesse caso, toda a gente tinha mais espírito que Voltaire. Está-me parecendo que fiz agora um elogio a mim mesmo. Tanto melhor; é a minha doutrina.
3/mar./1885 (Machado de Assis, Crônicas escolhidas.)

* óbolo: pequeno donativo feito aos pobres; esmola.

Sobre o texto, leia as afirmações que seguem:

I. O autor propõe que se quebrem as ideias como se quebram nozes. Duvidar de tudo aquilo que nos é passado como certezas é uma maneira de se fazer isso.
II. O autor enfatiza que o motivo para que se acredite tão facilmente em ideias prontas é o comodismo, já que duvidar – ou seja, ter uma postura crítica – significa abrir mão das certezas, o que não é muito confortável, podendo até mesmo trazer prejuízos aos relacionamentos sociais.
III. Os argumentos do autor não devem ser levados em consideração, pois, opondo-se ao pensamento da maioria, ele está simplesmente sendo “do contra”. No final, deve prevalecer a opinião do coletivo.

Está correto o que se afirma em:
a) apenas III.
b) apenas I e II.
c) apenas I e III.
d) apenas II e III. e) I, II e III.

Fonte: Apostila Anglo Filosofia 4 - Aula 08: O empirismo


2 comentários:

  1. oi boa noite, gostaria de saber a resposta do exercício da tarefa mínima, não tô conseguindo fazer

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  2. gostaria de saber a reposta do exércicio da tarefa mínima por favor

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