“Lacan
ensinou que o amor é o DESEJO impossível de
ser um quando há dois. Noutras palavras, é o desejo
impossível da completude”. Quadro: Homem
com a Cabeça Cheia de Nuvens (1936), de Salvador Dali.
|
Vira
e mexe ouço alguém dizer: "Fulano (a) não me completa". Como se a
completude existisse. Trata-se de um mito originário da Grécia que se perpetua
no nosso imaginário. Segundo o mito, nos primórdios, a forma humana era uma
esfera com quatro mãos, quatro pernas, duas cabeças e dois sexos. Os seres
humanos se deslocavam para a frente e para trás e, ao correr, giravam sobre os
oitos membros. Seu orgulho e sua força
eram tamanhos que, para enfraquecê-los, Zeus os cortou pela metade. Para os
gregos, o corte deu origem ao amor, que junta as metades de dois seres faz um.
Num
de seus seminários, Lacan retomou esse mito para ensinar que, na verdade, o
amor é "o desejo impossível de ser um quando há dois". Noutras
palavras, é o desejo impossível da completude, já que o desejo de um sujeito
nunca coincide inteiramente com o do outro. A coincidência que o amante pode
celebrar é a da crença na liberdade do amado. Uma crença que se expressa assim:
"Faça o que você deseja porque o seu desejo é o meu". Com ela, a
relação se renova continuamente e se perpetua, torna-se possível.
Isso
significa que o egoísmo é incompatível com o amor e este requer uma educação
especial. Que o próprio amor, aliás, oferece, porque ele torna os amantes
inteligentes. A paixão cega, mas o sentimento amoroso ilumina. O amante não
precisa perguntar ao amado o que este quer, pois quem ama sabe a resposta.
A
letra de uma das nossas canções populares diz que não anda bem quem anda atrás
de amor e paz. Só é assim, no entanto, quando é da paixão que se trata e a
relação entre os amantes é de espelhamento; quando um não autoriza o outro a
ser ele mesmo, a diferir.
Fala-se
muito na aceitação da diferença, porém ela é rara. Implica uma generosidade que
não é espontânea e precisa ser conquistada. Para tanto, qualquer via é boa. A
da educação laica ou religiosa, de qualquer religião, como bem disse o
Dalai-Lama, numa das suas conferências em Paris, insistindo na ideia de que
para cada um a melhor religião é aquela na qual foi formado. Porque, em última
instância, todas as religiões são contrárias ao egoísmo.
Betty
Milan
Nenhum comentário:
Postar um comentário