( Resumo do capítulo 2 do livro “Vygotsky
- Aprendizado e Desenvolvimento Um Processo Sócio-Histórico”)
Lev Vygotsky notou que os seres humanos possuem
mecanismos psicológicos mais sofisticados e complexos do que os apresentados
pelos outros animais, dispondo de habilidades psicológicas exclusivamente
humanas como, por exemplo, imaginar eventos não vividos e planejar o futuro.
Mediante o constatado, Vygotsky dedicou-se a estudar os mecanismos psicológicos
mais sofisticados e típicos dos seres humanos.
Analisando as relações humanas com seus
semelhantes e com o meio (estimulo/resposta), Vygotsky identificou um processo ao
qual chamou de “mediação” (elo intermediário ou mediador) que consiste em um
elemento intermediário dentro de uma relação, fazendo com que a mesma deixe de
ser direta e passe a ser mediada (através de estímulos auxiliares),
introduzindo assim um novo elo nas relações organismo/meio. Os processos
mediados são construídos ao longo do desenvolvimento humano, não estando ainda
presente nas crianças pequenas (onde predominam as relações diretas), mas conforme
vamos envelhecendo as relações mediadas passam a ser predominantes. Vygotsky distingue
os tipos mediadores como “instrumentos” e “signos”. O processo de mediação por meio de
instrumentos e signos é fundamental para o desenvolvimento de funções psicológicas
superiores, distinguindo os homens de outros animais.
O uso de instrumentos
A formação intelectual de Vygotsky e as obras do mesmo, assim como sua
interpretação de mundo, tem como base os postulados marxistas. Tendo como plano
de fundo conceitos como “materialismo histórico”, “dialética”, “mais valia”
dentre outras considerações dessa vertente filosófica, sociológica e econômica,
Vygotsky fez uma analise das atividades de produção e buscou compreender os
homens desde a sua origem, tomando o surgimento do trabalho e a formação da
sociedade humana como agentes diferenciadores dos seres humanos e os outros
animais.
Nas atividades produtivas foram identificadas atividades coletivas, o que
as caracterizariam como uma relação social. Porém, também foi identificado a
existência de instrumentos (tendo por base a formação marxista de Vygotsky,
podemos também incluir na discussão os meios de produção). Os instrumentos são
externos aos indivíduos, são criados com a finalidade de transformar os objetos
e a natureza e são interpostos entre o trabalhador e seu objeto de trabalho.
Os seres humanos estão sujeitos aos limites do próprio corpo, porém são
privilegiados por possuírem um telencéfalo consideravelmente desenvolvido e
polegares opositores, possibilitando aos mesmos avaliem suas necessidades,
imaginem soluções e que criem instrumentos até então inexistentes. Agindo assim
os humanos produzem variados instrumentos com objetivos específicos e ensinam
aos seus semelhantes as técnicas para produzi-los e manuseá-los.
O uso de signos
Os signos, também chamados por Vygotsky
de “instrumentos psicológicos”, são voltados aos indivíduos, são criados para a
finalidade de controle psicológico das pessoas, sejam deles próprios ou de
outros indivíduos. O signo seria uma
marca externa que auxiliaria os homens em tarefas que exigem memória e atenção.
e por isso constantemente recorremos a mediação de vários signos para melhorar
nossa possibilidade de armazenamento de informações e de controle da ação psicológica.
Os sistemas simbólicos e o processo de internalização
Conforme mencionado anteriormente, os
signos são marcas externas que fornecem suporte concreto para a ação dos
humanos no mundo, porém, com o passar do tempo a utilização de marcas externas vai
se transformando em processos internos de mediação, mecanismo esse chamado por
Vygotsky de “processo de internalização”. Concomitante a isso são desenvolvidos
sistemas simbólicos, que organizam os símbolos em estruturas complexas e
articuladas.
Conforme vai se desenvolvendo, as
pessoas passam a utilizar representações mentais que substituem os objetos no
mundo real, com isso possibilitando aos indivíduos libertarem-se do espaço e do
tempo presente, fazer relações mentais na ausência das próprias coisas,
imaginar, fazer planos e ter intenções. Essa relação é mediada pelos signos
internalizados que representam os elementos do mundo, libertando os indivíduos da
necessidade de interação concreta com o objeto de seu pensamento.
Os signos são compartilhados pelo
conjunto de membros de um determinado grupo social, o que permite a interação
entre os indivíduos e o aprimoramento da interação entre os mesmos.
Os sistemas de representação da
realidade são socialmente dados. O sistema simbólico básico de representação da
realidade é a linguagem. É o grupo social onde o indivíduo se desenvolve que
estabelece formas de perceber e organizar a realidade, constituindo assim
instrumentos psicológicos que fazem a mediação das pessoas com o mundo. Esse
sistema de representação da realidade consiste numa espécie de “filtro” através
do qual os indivíduos são capazes de ver o mundo e operar sobre ele.
Um conceito construído socialmente, como
por exemplo a palavra “avião”, designaria um determinado objeto no mundo. Então
a palavra “avião” seria um signo mediador entre o indivíduo e o avião concreto.
Porém se um determinado grupo social nunca viu um avião, quando o mesmo for
apresentado a esse grupo social pela primeira vez eles não terão a condição de
interpreta-lo como tal, já que não disporão de representação simbólica, de
recursos psicológicos que possibilitem a compreensão do objeto. Conforme citou
Marta Kohl de Oliveira, “a partir da sua experiência com o mundo objetivo e de
contato com as formas culturalmente determinadas de organização do real (e com
os signos fornecidos pela cultura) que os indivíduos vão construir seu sistema
de signos, o qual constituirá numa espécie de código para decifração do mundo”
As crianças nascem e se desenvolvem em
sociedades com estruturas (físicas e simbólicas) já estabelecidas. De maneira
geral, tais estruturas funcionam no sentido de produzir indivíduos que operem
psicologicamente de uma maneira particular que opere de acordo com os modos
culturalmente construídos de ordenar o real, os quais constituirão instrumentos
psicológicos que farão a mediação entro o indivíduo e o mundo.
É através das relações concretas entre
os indivíduos que interiorizamos as formas culturalmente estabelecidas de
funcionamento psicológico. Assim, as interações sociais fornecem a
matéria-prima para o desenvolvimento psicológico do indivíduo.
A cultura não é compreendida por
Vygotsky como algo pronto e estático ao qual os indivíduos são submetidos, mas
sim como um “palco de negociações”, estando seus membros num constante
movimento de recriação e reinterpretação dos conceitos e significados do meio social
em que estão inseridos. Assim, o processo pelo qual o indivíduo internaliza a
matéria-prima fornecida pela sua cultura é um processo de transformação, de
síntese, onde o indivíduo assimila as formas de comportamento fornecidos pela
sua cultura, num processo em que as atividades externas e as funções
interpessoais transformam-se em atividades internas, intrapsicológicas, onde “primeiramente
os indivíduos realizam ações externas que serão interpretadas pelas pessoas ao
seu redor tendo como régua os significados culturais estabelecidos. Após essa
interpretação (e com o auxílio da mesma) será possível para os indivíduos
estabelecerem significados a suas próprias ações e desenvolver processos psicológicos
internos que podem ser interpretados por ele próprio a partir dos mecanismos estabelecidos
pelo grupo cultural compreendido por meio dos códigos compartilhados pelos
membros desse grupo” (M. Oliveira, 1993).
Concluímos com a afirmação de Vygotsky
de que o funcionamento psicológico humano é fundamentalmente social e histórico
(e a psicologia e a pedagogia sócio-histórica é o que caracteriza a construção
intelectual de Vygotsky) e os elementos mediadores das relações humanas com o
mundo são fornecidos pelas relações entre os homens, sendo a linguagem o
principal meio de comunicação e de estabelecimento de significados
compartilhados que nos permitem interpretar objetos, eventos e situações do
mundo real.
A mediação simbólica
FONTE:
OLIVEIRA, Marta Kohl. a mediação simbólica. In
OLIVEIRA, Marta Kohl. Aprendizado e desenvolvimento: um processo histórico. São
Paulo: Scipione, 1997 p. 25-40
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