sexta-feira, 17 de março de 2017

[Psicologia] VYGOTSKY E A MEDIAÇÃO SIMBÓLICA

( Resumo do capítulo 2 do livro “Vygotsky - Aprendizado e Desenvolvimento Um Processo Sócio-Histórico”)

   Lev Vygotsky notou que os seres humanos possuem mecanismos psicológicos mais sofisticados e complexos do que os apresentados pelos outros animais, dispondo de habilidades psicológicas exclusivamente humanas como, por exemplo, imaginar eventos não vividos e planejar o futuro. Mediante o constatado, Vygotsky dedicou-se a estudar os mecanismos psicológicos mais sofisticados e típicos dos seres humanos.
Analisando as relações humanas com seus semelhantes e com o meio (estimulo/resposta), Vygotsky identificou um processo ao qual chamou de “mediação” (elo intermediário ou mediador) que consiste em um elemento intermediário dentro de uma relação, fazendo com que a mesma deixe de ser direta e passe a ser mediada (através de estímulos auxiliares), introduzindo assim um novo elo nas relações organismo/meio. Os processos mediados são construídos ao longo do desenvolvimento humano, não estando ainda presente nas crianças pequenas (onde predominam as relações diretas), mas conforme vamos envelhecendo as relações mediadas passam a ser predominantes. Vygotsky distingue os tipos mediadores como “instrumentos” e  “signos”. O processo de mediação por meio de instrumentos e signos é fundamental para o desenvolvimento de funções psicológicas superiores, distinguindo os homens de outros animais.  

  

O uso de instrumentos


     A formação intelectual de Vygotsky e as obras do mesmo, assim como sua interpretação de mundo, tem como base os postulados marxistas. Tendo como plano de fundo conceitos como “materialismo histórico”, “dialética”, “mais valia” dentre outras considerações dessa vertente filosófica, sociológica e econômica, Vygotsky fez uma analise das atividades de produção e buscou compreender os homens desde a sua origem, tomando o surgimento do trabalho e a formação da sociedade humana como agentes diferenciadores dos seres humanos e os outros animais.
      Nas atividades produtivas foram identificadas atividades coletivas, o que as caracterizariam como uma relação social. Porém, também foi identificado a existência de instrumentos (tendo por base a formação marxista de Vygotsky, podemos também incluir na discussão os meios de produção). Os instrumentos são externos aos indivíduos, são criados com a finalidade de transformar os objetos e a natureza e são interpostos entre o trabalhador e seu objeto de trabalho.
     Os seres humanos estão sujeitos aos limites do próprio corpo, porém são privilegiados por possuírem um telencéfalo consideravelmente desenvolvido e polegares opositores, possibilitando aos mesmos avaliem suas necessidades, imaginem soluções e que criem instrumentos até então inexistentes. Agindo assim os humanos produzem variados instrumentos com objetivos específicos e ensinam aos seus semelhantes as técnicas para produzi-los e manuseá-los.
  

O uso de signos


Os signos, também chamados por Vygotsky de “instrumentos psicológicos”, são voltados aos indivíduos, são criados para a finalidade de controle psicológico das pessoas, sejam deles próprios ou de outros indivíduos.  O signo seria uma marca externa que auxiliaria os homens em tarefas que exigem memória e atenção. e por isso constantemente recorremos a mediação de vários signos para melhorar nossa possibilidade de armazenamento de informações e de controle da ação psicológica.


Os sistemas simbólicos e o processo de internalização


Conforme mencionado anteriormente, os signos são marcas externas que fornecem suporte concreto para a ação dos humanos no mundo, porém, com o passar do tempo a utilização de marcas externas vai se transformando em processos internos de mediação, mecanismo esse chamado por Vygotsky de “processo de internalização”. Concomitante a isso são desenvolvidos sistemas simbólicos, que organizam os símbolos em estruturas complexas e articuladas.
Conforme vai se desenvolvendo, as pessoas passam a utilizar representações mentais que substituem os objetos no mundo real, com isso possibilitando aos indivíduos libertarem-se do espaço e do tempo presente, fazer relações mentais na ausência das próprias coisas, imaginar, fazer planos e ter intenções. Essa relação é mediada pelos signos internalizados que representam os elementos do mundo, libertando os indivíduos da necessidade de interação concreta com o objeto de seu pensamento.
Os signos são compartilhados pelo conjunto de membros de um determinado grupo social, o que permite a interação entre os indivíduos e o aprimoramento da interação entre os mesmos.
Os sistemas de representação da realidade são socialmente dados. O sistema simbólico básico de representação da realidade é a linguagem. É o grupo social onde o indivíduo se desenvolve que estabelece formas de perceber e organizar a realidade, constituindo assim instrumentos psicológicos que fazem a mediação das pessoas com o mundo. Esse sistema de representação da realidade consiste numa espécie de “filtro” através do qual os indivíduos são capazes de ver o mundo e operar sobre ele.
Um conceito construído socialmente, como por exemplo a palavra “avião”, designaria um determinado objeto no mundo. Então a palavra “avião” seria um signo mediador entre o indivíduo e o avião concreto. Porém se um determinado grupo social nunca viu um avião, quando o mesmo for apresentado a esse grupo social pela primeira vez eles não terão a condição de interpreta-lo como tal, já que não disporão de representação simbólica, de recursos psicológicos que possibilitem a compreensão do objeto. Conforme citou Marta Kohl de Oliveira, “a partir da sua experiência com o mundo objetivo e de contato com as formas culturalmente determinadas de organização do real (e com os signos fornecidos pela cultura) que os indivíduos vão construir seu sistema de signos, o qual constituirá numa espécie de código para decifração do mundo”
As crianças nascem e se desenvolvem em sociedades com estruturas (físicas e simbólicas) já estabelecidas. De maneira geral, tais estruturas funcionam no sentido de produzir indivíduos que operem psicologicamente de uma maneira particular que opere de acordo com os modos culturalmente construídos de ordenar o real, os quais constituirão instrumentos psicológicos que farão a mediação entro o indivíduo e o mundo.
É através das relações concretas entre os indivíduos que interiorizamos as formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico. Assim, as interações sociais fornecem a matéria-prima para o desenvolvimento psicológico do indivíduo.
A cultura não é compreendida por Vygotsky como algo pronto e estático ao qual os indivíduos são submetidos, mas sim como um “palco de negociações”, estando seus membros num constante movimento de recriação e reinterpretação dos conceitos e significados do meio social em que estão inseridos. Assim, o processo pelo qual o indivíduo internaliza a matéria-prima fornecida pela sua cultura é um processo de transformação, de síntese, onde o indivíduo assimila as formas de comportamento fornecidos pela sua cultura, num processo em que as atividades externas e as funções interpessoais transformam-se em atividades internas, intrapsicológicas, onde “primeiramente os indivíduos realizam ações externas que serão interpretadas pelas pessoas ao seu redor tendo como régua os significados culturais estabelecidos. Após essa interpretação (e com o auxílio da mesma) será possível para os indivíduos estabelecerem significados a suas próprias ações e desenvolver processos psicológicos internos que podem ser interpretados por ele próprio a partir dos mecanismos estabelecidos pelo grupo cultural compreendido por meio dos códigos compartilhados pelos membros desse grupo” (M. Oliveira, 1993).

Concluímos com a afirmação de Vygotsky de que o funcionamento psicológico humano é fundamentalmente social e histórico (e a psicologia e a pedagogia sócio-histórica é o que caracteriza a construção intelectual de Vygotsky) e os elementos mediadores das relações humanas com o mundo são fornecidos pelas relações entre os homens, sendo a linguagem o principal meio de comunicação e de estabelecimento de significados compartilhados que nos permitem interpretar objetos, eventos e situações do mundo real. 

A mediação simbólica

FONTE:


OLIVEIRA, Marta Kohl. a mediação simbólica. In OLIVEIRA, Marta Kohl. Aprendizado e desenvolvimento: um processo histórico. São Paulo: Scipione, 1997 p. 25-40 

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