domingo, 4 de setembro de 2016

(A Construção do Saber) 1 - O NASCIMENTO DO SABER CIENTÍFICO

Resumo do livro: A construção do Saber (primeiro capítulo)
Por questão de sobrevivência e para criar facilidades para sua vida, os seres humanos frequentemente se confrontavam com a necessidade de obter conhecimentos, inclusive tendo que construir um novo conhecimento por conta própria. Nesse capitulo foi abordado os diferentes modos de aquisição do saber, dando especial atenção ao saber cientifico moderno, com ênfase na ciência humana moderna.


1.1 OS SABERES ESPONTÂNEOS


Durante a pré-história os humanos elaboravam o seu saber a partir de sua experiência e de suas observações pessoais (exemplo: como criar o fogo). Incontáveis conhecimentos foram adquiridos através da experiência pessoal, conhecimento esse que poderia ser utilizado pelo resto da vida. Está aqui caracterizado o objetivo principal da pesquisa do saber: conhecer o funcionamento das coisas, para melhor controlá-las, e fazer previsões melhores a partir daí.

1.1.1 A intuição

Chamamos de intuição a percepção imediata sem a intervenção do raciocínio. São explicações espontâneas, também camadas de “senso comum”. O senso comum não deixa de produzir saberes e também servem para a compreensão de nosso mundo e de sociedade, e para nela viver com o auxílio de explicações simples e cômodas. Porém é importante sempre desconfiarmos das explicações que nos são dadas pelo senso comum, já que as mesmas podem ser um obstáculo à construção do saber adequado, pois seu caráter aparente de evidência reduz a vontade de verifica-lo e assim encontrar explicações menos superficiais sobre o objeto de conhecimento.

1.1.2 A tradição

Quando as explicações do senso comum parecem suficientes, deseja-se divulga-las, compartilhá-las. É assim que surge a tradição, princípio de transmissão dos saberes intuitivos. Seja no âmbito familiar ou em outras instituições e grupos sociais, a tradição lega saberes que parecem uteis a todos a e que se juga adequado conhecer para conduzir sua vida. Esse tipo de conhecimento é presumidamente tido como verdadeiro no presente por crerem que se o eram no passado, no presente também deveriam ser.

 1.1.3 A autoridade

Frequentemente autoridades se encarregam da transmissão da tradição, sem apresentarem provas metodicamente elaboradas que justifiquem tais saberes. Podemos usar como exemplo o caso das igrejas que impõem sua autoridade aos fieis pelos preceitos ensinados pelo clero e que servem para guiar a vida daqueles que possuem fé. E os fiéis seguem tais preceitos mesmo o sem que o sentido ou o as origens de tais saberes sejam sempre evidentes. Assim, os saberes impostos pelas autoridades guardariam um caráter de saber espontâneo para aqueles que os seguem. Isso ocorre porque nem todos possuem capacidade de construir saberes espontâneos sobre todas as coisas que seriam importantes conhecer, sendo mais cômodo, para conduzir a vida, fazer uso de um repertorio de saber já pronto. Como pontuado nesse exemplo, esse é o fator que daria às autoridades religiosas certo controle sobre seus seguidores. O valor do saber imposto repousa justamente em nosso consentimento em recebê-lo, e esse consentimento repousa, por sua vez, na confiança que temos naqueles que o veiculam.


1.2 O SABER RACIONAL


Não demorou muito para que o ser humano sentisse dos saberes que se fundamentavam na intuição, no senso comum ou na tradição. O ser humano desejava saber mais e de dispor de conhecimentos metodicamente mais elaborados e, portanto, mais confiáveis. Porém, desde o despertar dos primeiros desejos até a concepção do saber racional como uma forma dita científica (que se estabeleceu no ocidente há apenas um século) foi uma trajetória longa.

1.2.1 O reino dos filósofos

Teve sua origem na Grécia Antiga, estimulada pela desconfiança que pensadores gregos tinham em relação às explicações do universo baseadas nos Deuses, na magia ou na superstição. Esses mesmos pensadores acreditavam que os seres humanos eram capazes, apenas com o exercício racional da mente, de produzir saberes apropriados. Eles desenvolveram os instrumentos da lógica; fizeram a distinção entre sujeito (que procura conhecer) e objeto (que será conhecido), bem como a relação entre ambos; desenvolveram o princípio da casualidade; o silogismo.

No decorrer dos séculos que vieram após a Antiguidade Grega, notamos poucos avanços na concepção da ciência e nos métodos de constituição do saber. Os romanos negligenciaram a teoria pela prática, mostrando-se mais técnicos do que sábios.

Na Idade Média temos um reencontro com a reflexão filosófica, porém agora dominada pela religião. Tais filósofos desejavam conciliar o saber religioso com o saber filosófico clássico. A teologia superava a filosofia.  

O Renascimento, brilhante pela renovação nas artes e nas letras, não obteve sucesso equivalente no saber científico. As novas descobertas cientificas concorreram com a magia e com a bruxaria para tentar explicar o real.

É durante o século XVII que surge a ciência experimental, uma conjunção da razão com a experiência e que se caracterizada principalmente com a preocupação em se proceder à observação empírica do real antes de interpretá-lo pela mente, depois, eventualmente, de submetê-lo à experimentação, recorrendo às ciências matemáticas para assistir suas observações e suas experimentações. O pensamento cientifico moderno começa a se objetivar. Um saber racional constitui-se a partir da realidade (empirismo) e coloca essa explicação à prova (experimentação), conjugando o raciocínio indutivo com o raciocínio dedutivo. Não se trata mais apenas de encontrar uma explicação, ainda que geral, do fenômeno estudado, mas definir os princípios que fundamentam tal explicação. Assim, no lugar das “leis divinas” surgem a noção de lei da natureza e a ideia de que a ciência tem por objetivo definir suas próprias leis.

1.2.2 A ciência triunfante

Durante o século XVIII encontramos muitos avanços na ciência, em especial no campo da natureza física. Porém no campo das ciências humanas o conhecimento especulativo ainda dominava e os avanços foram poucos. Isso não impediu que grandes reflexões sobre as condições humanas fossem feitas. Não à toa, esse século esse século foi chamado de “Século das Luzes”.

Mas é no século XIX que a ciência triunfa
- Domínio das ciências da natureza, com novas descobertas em ritmo e quantidade abundante;
- Ciência e tecnologia se encontram: cientistas saem dos laboratórios para terem aplicações práticas.
- As pesquisas fundamentais (cujo objetivo é conhecer pelo próprio conhecimento) é acompanhada pela ciência aplicada (que visa resolver problemas concretos).
- Tais descobertas e suas aplicações modificam profundamente a dinâmica do século, atingindo quase todos os domínios da atividade humana.
- Na agricultura a produção de alimentos cresce com as novas técnicas e com os novos bens de produção.
- A produção manufaturada também aumenta graças às maquinas, às novas fontes de energia e aos novos materiais e modos de produção.
- Com o auxílio de novas ferrovias e da navegação a vapor, os bens produzidos, agrícolas ou industriais, são mais amplos e bem distribuídos.
- No domínio da comunicação, surgem os telégrafos e os telefones, aproximando os lugares e os humanos.
- Na saúde os micróbios e os bacilos são descobertos, assim como os modos de preveni-los e de combatê-los. As epidemias tornam-se mais raras no ocidente e a expectativa de vida aumenta consideravelmente.
- A população urbaniza-se. As cidades tornam-se lugares mais agradáveis para se viver: as ruas e casas se iluminam, são criados sistemas de saneamento básico, são desenvolvidos sistemas de transporte público, tais cidades passam a serem abastecidas pelos mais variados bens de consumo.

As pessoas do século XIX puderam perceber com clareza as mudanças pelas quais o mundo passara e provavelmente foram os primeiros da história a morrerem em um mundo profundamente diferente daquele que viram ao nascer. Sem uma observação mais profunda, essa época poderia nos convencer de que a mesma foi um período “maravilhoso” para a existência humana. Essa poderia ter sido uma época maravilhosa se tais avanços das ciências e seus enfreáveis progressos não tivessem sidos acompanhados de problemas sérios no plano social.

1.2.3 As ciências humanas e o positivismo

O século XIX desejava, no domínio do saber sobre o homem e a sociedade, conhecimentos tão confiáveis e práticos quanto os desenvolvidos para se conhecer a natureza física, retirados de qualquer princípio de interpretação anterior ou exterior, especialmente religioso. E era com esse espírito e com essa preocupação que se desenvolvem as ciências humanas na segunda metade do século XIX. Até então o método empregado no campo da natureza parecia tão eficaz que não se via razão para também não as aplicar aos humanos.

É apoiando-se no modelo de ciência positiva – o positivismo – que se desenvolvem as ciências humanas, na segunda metade do século XIX.  As principais características do pensamento positivista eram:

a) Empirismo: o conhecimento positivo parte da realidade como os sentidos a percebem e ajusta-se à realidade
b) Objetividade:  o conhecimento positivo deve respeitar integralmente o objeto do qual trata o estudo. O sujeito conhecedor (o pesquisador) não deve influenciar esse objeto de modo algum.
c) Experimentação: o conhecimento positivo repousa na experimentação. Somente o teste dos fatos, a experimentação, poderia demonstrar sua precisão.
d) Validade: o conhecimento positivo é quantitativo. Isso permite, se se chega às mesmas medidas reproduzindo-se experiência nas mesmas condições, concluir a validade dos resultados e generalizá-los.
e) Leis e previsão: O conhecimento positivo é determinista. O conhecimento dessas leis permitiria prever os comportamentos sociais e geri-los cientificamente. 

Referência bibliográfica:
LAVILLE, C.; DIONNE, J. A Construção do Saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul Ltda.; Belo Horizonte: Editora UFMG. 1999, p.17-30.

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