quinta-feira, 5 de abril de 2012

(Sociologia) Documentário: Nos Olhos da Esperança


"Quem decide um caso sem ouvir a outra parte não pode ser considerado justo, ainda que decida com justiça." (Sêneca)

Documentário completo

Jânio é um rapaz de vinte anos que foi preso na orla da praia da Cidade de Praia Grande confundido de fazer parte de um grupo de jovens que promoveram um arrastão. Mesmo sem provas ficou preso durante 11 meses. Leide e Francisco a mãe e o pai de Jânio precisaram lutar para provar a inocência do filho, enfrentando a principal dificuldade que esbarra num problema social ainda não resolvido no Brasil.


"Ser pobre é ser culpado até que se prove ao contrário?"



A criminalização da pobreza no Brasil é um processo histórico que se enraizou ideologicamente na cultura da sociedade brasileira desde o Brasil colônia.


Ser pobre neste país além de ter de enfrentar tantas dificuldades para se viver com um mínimo de dignidade. Ainda tem que carregar o estigma de criminoso, de vagabundo... De ser representado de forma temerosa e até odiada pela elite brasileira.

O caso da família Silva apresentado neste documentário é um exemplo claro dentre milhares de outros neste país, onde pessoas são desrespeitadas, humilhadas e esquecidas pelas ruas, pelos hospitais, pelas prisões... Pelo simples motivo de viverem ao avesso da elite civilizada que impõe exigências estéticas e comportamentais, e quem não atende aos padrões é posto de lado, marginalizado, criminalizado e esquecido.

O caso da família Silva

  • No dia vinte e três de novembro de 2008, Jânio Nascimento da Silva de vinte anos morador da cidade de Praia Grande foi preso por policiais na orla da praia. Os policiais que o abordaram justificaram o ato da prisão dizendo que ele era um dos integrantes de um arrastão que havia acontecido algumas horas antes e foi identificado pelo sistema de monitoria de Praia Grande. Jânio disse para os policiais que estava acontecendo um engano. Duas senhoras que o conheciam e que estavam com ele, também tentaram argumentar com os policiais. No entanto, eles disseram que não poderiam fazer nada. Algemaram e o levaram para um posto de bombeiros para reconhecimento perante as vítimas e as testemunhas, depois o encaminharam a delegacia.
  • Na delegacia Jânio foi acusado de formação de quadrilha, corrupção de menor e roubo qualificado. No entanto, nenhuma vítima o reconheceu, Jânio não aparece nas gravações do sistema de monitoria de Praia Grande e mais, dois guarda-vidas que viram o arrastão e tentaram ajudar uma mulher que estava sendo assaltada, também não o reconheceram. Neste dia a polícia também levou outros menores que a monitoria indicou como participantes do arrastão. Todos esses menores foram reconhecidos, menos Jânio. Mas, mesmo assim foi lavrado um boletim em que Jânio é supostamente acusado de o responsável pelos delitos, por ser maior de idade, enquanto os outros eram menores de idade.
  • O pai de Jânio, Francisco Elias da Silva, ao saber da prisão foi à delegacia atrás do filho. Na delegacia disseram que não havia ninguém com o nome de Jânio preso. Rodando de uma delegacia a outra sem encontrar o filho, Francisco pediu ajuda para um amigo que era policial no Guarujá. Por fim, este amigo conseguiu a informação sobre onde estava Jânio. Disse que ele estava num corpo de bombeiros sendo identificado pelas vítimas e depois seria levado para a Delegacia de Polícia de Praia Grande da Vila Tupy. Quando chegou a delegacia novamente, Francisco tentou falar com a delegada Roberta Losada Correia, que não quis o receber, até que um policial disse que Jânio já estava no DP, mas que ele não veria o filho, pois o filho era maior de idade e responderia pelos atos. Francisco indagou que era o pai e que exigia ver o filho, mas o policial respondeu que ele agradecesse pelo filho estar vivo em vez de reclamar, depois do que ele fez, a polícia deveria ter o matado. Naquele dia Francisco voltou para casa sem ver o filho.
  • Leide, mãe de Jânio ao saber da prisão do filho entrou em choque, segundo ela: "o impacto da prisão foi tão forte que me senti paralisada, sem saber o que fazer".
  • Deixando que o marido cuidasse do caso e sem forças de ir ver o filho na prisão, para continuar vivendo Leide começou a tomar calmantes e antidepressivos sobre orientação médica e passar por um tratamento junto a um psicólogo.
  • Para Adriano Neves Lopes, advogado que cuida do caso, existe arbitrariedade policial, por lavrarem um boletim de ocorrência baseado em suposições onde não existem provas e nem vítimas que o reconheçam, e diz que: “no boletim aparece que Jânio foi preso em flagrante, o que não existiu.”
  • O caso foi para Ministério Público, o Advogado pediu a inépcia (cancelamento por falta de provas concretas) da denúncia por não haver liames seguros que possa decorrer uma ação penal, mas o caso sofreu indeferimento por se tratar de um crime hediondo, (aquele que a sociedade repudia pela barbárie)
  • Com isso, por uma questão de segurança pública, Jânio foi mantido preso até o apuramento do inquérito policial. Ao completar oitenta e dois dias de prisão, o advogado entrou com um pedido de excesso de prazo, alegando que excedeu oitenta e um dias de prisão sem que nada tenha sido decidido e todas as tentativas de relaxamento de prisão foram indeferidas. O Juiz não aceitou, e disse que não existe excesso de prazo, pois é impossível finalizar um processo em curto espaço de tempo, as cidades da baixada santista sofrem com um alto índice de criminalidade por isso não colocará toda a população em risco por causa de um único indivíduo.
  • Segundo o Advogado Lopes, ¨só pode haver um processo de descriminação no caso, pois manter alguém preso, o acusando de crime hediondo, sem provas, não há outra explicação! Qualquer leigo que leia o processo irá perceber isso. ¨
  • Após duas audiências de apuração do caso sem resultados, na terceira audiência, no dia vinte e nove de setembro de 2009 é concedido o relaxamento da prisão a Jânio, podendo ele responder pelos supostos crimes em liberdade, com a restrição de não poder sair do Estado e não poder sair após as dez da noite de casa.
  • Caso ele for sentenciado como culpado, poderá pegar até quarenta anos de prisão (o Estado só permite trinta anos). Se for inocentado, será por insuficiência de provas. Sendo assim, os quase onze meses de prisão de Jânio e todos os impactos causados a família Silva ninguém nunca responderá por isso.
  • Se houve um processo de criminalização neste caso, não são difíceis de encontrar os pontos de identificação. Afinal, não é preciso ser especialista em leis, somente ler o processo e analisá-lo, como poderia ter sido diferente a condução do caso desde o momento da prisão, ao lavramento do processo e o indeferimento do pedido de inépcia da denúncia se essa família tivesse condições financeiras e não trouxesse com ela o estigma da pobreza, que transforma essas pessoas em perigosas. E isso, é mesmo um discurso de defesa, porque infelizmente vivemos numa sociedade onde alguns podem queimar um índio que dorme num banco de ponto de ônibus e nada acontecer, enquanto outros são considerados culpados somente pelo fato de não corresponderem aos padrões esperados pela elite.
  • Justiça, democracia e cidadania, onde estão? O que aconteceu com a família Silva foi uma criminalização que feriu os direitos de igualdade que é um direito inalienável do ser humano que antecede o direito de Estado.
  • Mas que Estado? O de direito? Qual o direito? De ser culpado até que se prove ao contrário? Qual é o sentido do estado se ele não for instrumento de garantias?
  • ¨Fora disso, só existe a presença do passado no presente, projetando no futuro o fracasso de mais uma geração. ¨ Gilberto Cotrim.
  • Essa é a sociedade em que vivemos, onde o caso da família Silva é somente mais um caso dentre milhares de outros neste enorme país onde muitos Jânios são esquecidos em celas, em corredores de hospitais, nas ruas... Criminalizados!

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