sábado, 13 de agosto de 2016

[Filosofia] O BANQUETE (O AMOR, O BELO) - PLATÃO


"O Banquete (o amor, o belo)" é um livro de diálogos de Platão atribuído a ele mesmo e não a Sócrates, seu mestre. O pano de fundo são os sete discursos acerca do deus Eros, o deus do amor. Diz-se que depois de muitas festas, com bebidas em excesso, resolveram dar uma trégua à orgia e instituíram um encontro filosófico sobre o elogio ao deus Eros, sugerido por Erixímaco. Os oradores, em ordem de apresentação, foram: Fedro, Pausânias, Erixímaco, Aristófanes, Agaton, Sócrates e Alcibíades.

O BANQUETE (O AMOR, O BELO) - PLATÃO

Narrador: O poeta Agatão convida seus amigos para um banquete em sua casa, festa em que os gregos se reunião para beber, comer, ouvir música e conversar. Começam a conversar sobre Eros, o deus do amor. O primeiro a falar é Fedro.

Fedro: Eros é o mais velho dos deuses, pois não lhe conhecemos nem pai nem mãe; o mais bondoso para com os homens, pois os faz envergonharem-se do mal e imitar o bem, inspirando-lhes coragem e devotamento; o mais capaz de fazer os homens virtuosos nesta vida e felizes na outra. Os nascidos de Amor são recompensados pelos outros deuses, porque aquele que ama sacrifica-se pelo amado, torna-se divino porque habitado pelo deus. 

Narrador: Disse Pausânidas

Pausânidas: Parece-me, caro Fedro, que nosso elogio está malfeito. Estaria bem, se houvesse um único Eros, porém, há mais de um e precisamos saber qual deles merece nossa homenagem. Assim como há duas Afrodites, a celeste e a popular, também há dois Eros, um celeste, mais nobre, que preside o amor entre as almas masculinas, e um popular, grosseiro e simplesmente sexual. Ao primeiro devemos render tributo. Não é belo nem feio – sua beleza e fealdade dependem das qualidades ou defeitos, virtudes ou vícios dos amantes. Feio, se apenas corporal, pois a flor do corpo é efêmera, logo murcha, lançando o amado no abandono e no sofrimento. Belo, se espiritual, pois quem ama uma bela alma permanece-lhe fiel a vida inteira. Eros celeste é benéfico aos indivíduos e à Cidade. 

Narrador: Erixímaco interveio, tomando a palavra. 

Erixímaco: Embora começasse bem, Pausânias concluiu mal, por isso o farei em seu lugar. Sim, há dois Eros. Médico, eu sei, pois ele não se ocupa apenas dos corpos, mas também das almas. Mádico, porém, sei que Eros é mais vasto, que seu poder não se limita aos homens, mas estende seu império a todos os seres. O que é Eros? A harmonia e união dos contrários, a atração ordenada dos opostos. Por isso a medicina – arte da amizade entre os humores e os elementos no corpo e na alma – é a primeira ciência do amor. Mas também a música – união e harmonia dos ritmos contrários e dos opostos –, a agricultura – arte de unir o úmido da semente e o seco da terra –, a astronomia – ciência da harmonia e conjunção dos astros –, a religião e a arte divinatória – que buscam os vínculos entre os deuses e os homens. Eros é uma força cósmica, universal, que, aplicada para o bem, nos traz felicidade perfeita, a paz entre os homens e a benevolência dos deuses. 

Narrador: Assim começou Aristófanes. 

Aristófanes: Quanto a mim, coisa bem diversa direi. Os humanos desconhecem o poderio extraordinário de Eros. Se o conhecessem, haveriam de construir-lhe templos magníficos, elevar-lhe altares suntuosos, votar-lhe sacrifícios opulentos. Por que Eros possui todas as belas qualidades que lhe atribuíram os que me precederam? Por que é tão zeloso e benevolente para os homens? Porque outrora, no princípio, éramos unos e havia três tipos de humanos: o homem duplo, a mulher dupla e o homem-mulher, isto é, andrógino. Eram redondos, com quatro braços e quatro pernas e dois rostos na mesma cabeça.Vigorosos, sentindo-se completos, decidiram subir ao céu. Foram punidos por Zeus, que os cortou pela metade, voltando-lhes o rosto para o lado onde os cortara, deixando-os com os órgãos sexuais voltados para trás. Desde então, cada metade não fez senão buscar a outra e, quando se encontravam, abraçavam-se no frenesi do desejo, procurando a união, morrendo de fome e inanição nesse abraço. Para evitar que a raça dos humanos se extinguisse, Zeus permitiu que Eros colocasse os órgãos sexuais voltados para frente, concedendo-lhes a satisfação do desejo e a procriação. Eros restaurou a unidade primitiva e nos fez buscar nossa metade perdida: os que vieram dos andróginos amam o sexo oposto, os que vieram dos homens e mulheres duplos amam os de mesmo sexo. O amor é desejo de unificação e indivisão. Encontrar nossa metade: eis o nosso desejo. Ao deus que isto nos propicia, todo nosso louvor. 

Narrador: Chegada sua vez, o poeta Agatão iniciou assim seu discurso. 

Agatão: Quer me parecer que todos os que até agora falaram não elogiaram o Amor, mas a felicidade dos homens por possuírem tal protetor. Quem é Eros? O mais feliz dos deuses, porque o mais belo e o melhor. O mais belo: é o mais jovem e perenemente jovem. O melhor: porque o mais útil (pois penetra imperceptivelmente nas almas), o mais delicado (pois habita as almas mais ternas), o mais gracioso n(pois vive entre flores e perfumes). Bom, porque ignora a violência e a desfaz onde existir. Temperante, porque vence a desmedida do prazer, impondo-lhe limite. Engenhoso, porque inspira poetas e artistas, dispondo as musas para a inspiração dos humanos. Hábil, pois destronou o poderio da Carência e da Necessidade, colocando nos deuses o amor pela beleza e pela concórdia. Glória dos deuses e dos homens, Eros é nosso melhor guia. 

Narrador: Agatão foi aplaudido. Erixímaco pediu que Sócrates falasse. Sócrates não fará um elogio ao Amor, mas buscará sua essência. Então Sócrates conta de sua conversa sobre amor com Diotima de Mantinéia, mulher sábia nas coisas do amor. 

Sócrates: Eros não é um deus – não é belo nem bom –, nem é um mortal –, não é feio nem mau. Nem imortal nem mortal, Eros é um dos daimon, intermediário entre deuses e homens, criador de laços entre eles. Qual sua origem? Quando nasceu Afrodite, a bela, todos os deuses foram convidados para o festim, esquecendo-se de convidar Penia (a Penúria). Escondida do lado de fora, ao término da festa Penia esgueirou-se pelos jardins para comer os restos. Viu, adormecido pelo vinho, Póros (o Estratagema), filho de Métis (a Prudência Astuta). Desejou um filho dele. Deitou-se ao seu lado e concebeu Eros. Por haver sido concebido no dia do nascimento de Afrodite, a bela, Eros ama o belo. Triste é seu destino: como sua mãe, vive maltrapilho, sem teto, sem leito, dormindo pelas ruas e nos umbrais das portas, sempre carente, faminto; como seu pai, é audaz, engenhoso e sofista, deseja tudo quanto seja belo e aspira a tudo conhecer. No mesmo dia, floresce e vive, morre e nasce, nunca opulento, nem completamente desvalido. Não sendo deus nem tolo, ama a sabedoria. Se fosse um deus, não poderia amá-la, pois não se ama o que já se possui; se fosse tolo, julgar-se-ia perfeito e completo e não poderia desejar aquilo cuja falta não pode notar. Eros é o desejo: carência em busca de plenitude. Eros ama. O que ama o Amor? O que dura, o perene, imortal. Ama o bem, pois amar é desejar que o bom nos pertença para sempre. Por isso Eros cria nos corpos o desejo sexual e o desejo da procriação, que imortaliza os mortais. O que o amor ama nos corpos bons? Sua beleza exterior e interior. Amando o belo exterior, Eros nos faz desejar as coisas belas; amando o belo interior, Eros nos faz desejar as almas belas. O amor dos corpos concebe e engendra a imagem da imortalidade: os filhos, também mortais. O amor das almas belas concebe e engendra o primeiro acesso à verdadeira imortalidade: as virtudes. Os corpos mortais geram filhos mortais. As almas imortais geram virtudes imortais. Onde reside o belo nas coisas corporais? Na perfeição de suas figuras, de suas proporções, de sua harmonia e simetria – em suas qualidades de forma. Assim, no coração da matéria perecível e imperfeita, surgem sinais do imperecível: a beleza da forma. Onde reside o belo nas almas? Na perfeição de suas ações, de seus discursos e de seus pensamentos – em suas qualidades de inteligência. Assim, no coração da alma imortal anuncia-se o perfeito imperecível: a beleza do saber, a manifestação do logos, a ciência. Que deseja o desejo? Que ama o amor? A beleza imperecível, seu supremo e único Bem. O que é desejar amar o Belo-Bem? Desejar possuí-lo, participando de sua bondade-beleza. Como participar do objeto do desejo-amor? Pelo conhecimento. Eros é desejo de saber. Filosofia, philosophia. Na contemplação da beleza-bondade – isto é, da idéia do Bem e da Beleza – os humanos alcançam a ciência ou o saber, por meio do qual concebem, engendram e dão nascimento às virtudes e por meio delas se tronam imortais. Desejo de formosura – da forma bela ou da bela forma –, eis a essência de Eros.

O Banquete Adaptado do texto de Marilena Chauí, Introdução à Filosofia I – Dos pré-socrático a Aristóteles, PP.208-212, Companhia das Letras, 2002, São Paulo 


Resumo
Muito de Platão é dividido entre seus pensamentos e os pensamentos que ele atribuía à Sócrates, seu mestre. Como esse nunca deixou nada escrito, tudo que sabemos sobre ele teve, também, Platão como narrador.

Platão escrevia muito em forma de diálogo e em suas obras persistia em argumentar sobre virtudes ou sentimentos. No caso do “O Banquete”, seguimos um debate sobre Eros (Amor), depois de uma festa regada a excessos. Depois de muito beber todos os envolvidos concordam em discutir sobre a natureza, significado e beneficio do amor, cada um expondo seu entendimento e sentimento sobre.

Sócrates chega após a festa e participa do debate, deixando para falar entre os últimos. Fedro é o 1º a opinar sobre o conceito de amor e defende que tal “deus” existe desde o início do mundo e que não há mais nada virtuoso do que amar. Pausânias é o 2º, explicando que o amor é duplo, sendo ele bom ou mal. Para Erixímaco, o amor exerce uma harmonia entre alma e corpo. Aristófanes relata que o homem desconhece o amor e que a natureza humana possui três gêneros: o masculino masculino, feminino feminino e masculino feminino ou o chamado andrógino. Ágaton decide enumerar os dons do amor e suas virtudes e não apenas enaltecer o que tal “deus” faz com o homem.

Quando Sócrates começa seu discurso, o faz favorecendo o conceito de Ágaton e esclarece, principalmente, que ninguém ama o que tem: “O que deseja, deseja aquilo de que é carente, sem o que não deseja, se não for carente.”. O amor é uma eterna busca, um desejo que sempre está no mais além. Justifica, através do mito, também que o sentimento  cria laços entre homens e deuses. O último a falar foi Alcibíades que preferiu tecer elogios à Sócrates do que ao Amor. (Lembro-me bem que durante os anos de faculdade, comentávamos sobre o homossexualismo na fala de Alcibíades, o que parecia por demais evidente).

Assim como outros livros filosóficos, O Banquete pode proporcionar a condição de reflexão e analise particular para cada leitor, o que é deveras importante e interessante. Mesmo sendo um diálogo bastante antigo, toda a argumentação sobre o Amor é ainda vívida e autêntica, condizendo com o que muito se pode aprender e entender sobre tal sentimento divino e humano ao mesmo tempo.

Entre discursos e mitos sobre os efeitos do Amor, o livro baqueteia mesmo sobre o assunto, favorecendo uma discussão com muitas visões sobre e deixando claro, pelo menos para mim, que sobre isso há muito o que se falar e pouco, verdadeiramente, a ter certeza.



Fedro, o primeiro orador a falar, coloca o Eros como um dos mais antigos deuses, que surgiram depois do Caos da terra. Pelo fato de ser antigo, traz diversas fontes de bem, que é o amor de um amante. De tudo o que o ser humano pode ter – vínculos do sangue, dignidade e riquezas – nada no mundo pode, como Eros, fazer nascer a beleza. É o Eros que insufla os homens a grandes brios. Só os que amam sabem morrer um pelo outro.
Pausânias, o segundo a falar, critica o elogio a Eros, feito por Fedro, porque o deus Eros não é único, pois há o Eros Celeste e o Eros Vulgar. Para ele, qualquer ação realizada não é em si mesma nem boa nem ruim. Para que uma ação seja boa, ela deve se fundamentar na justiça. O mesmo se dá com o amor. Atender ao Eros Vulgar é prender-se à cobiça, à iniqüidade e aos caprichos da matéria. Para atender ao Eros celeste, deve agir segundo os cânones da justiça e da beleza celeste.
Erixímaco, o terceiro orador, educado nas artes médicas, quer completar o discurso de Pausânias, dizendo que o Eros não existe somente nas almas dos homens, mas em muitos outros seres: nos corpos dos animais, nas plantas que brotam da terra, em toda natureza. Para ele, a natureza orgânica comporta dois eros: saúde e doença, e que "o contrário procura o contrário". Um é o amor que reside no corpo são; o outro é o que habita no corpo enfermo. Tal qual a medicina, que procura a convivência entre os contrários, o amor deve procurar o equilíbrio entre as necessidades físicas e espirituais.
Aristófanes, o quarto orador, começa o seu discurso enfatizando o total desconhecimento por parte dos homens acerca do poder de Eros. Para conhecer esse poder, ele diz que é preciso antes conhecer a história da natureza humana e, dito isto, passa a descrever a teoria dos andróginos, que é o mito da nossa unidade primitiva e posterior mutilação. Segundo Aristófanes, havia inicialmente três gêneros de seres humanos, que eram duplos em si mesmos: havia o gênero masculino masculino masculino, o feminino feminino feminino e o masculino feminino masculino, o qual era chamado de Andrógino.
Agaton, o quinto orador, critica os seus antecessores, pois acha que eles enalteceram Eros sem contudo explicar a sua natureza. Ele diz: "Para se louvar a quem quer que seja, o verdadeiro método é examiná-lo em si mesmo para depois enumerar os benefícios que dele promanam". Diz, ao contrário de Fedro, que Eros é um deus jovem. Depois passa a enumerar as suas virtudes, ou seja, a justiça, a temperança e a potência desse deus.
Sócrates, o sexto orador, considerado o mais importante dos oradores presentes, afirma que o amor é algo desejado, mas este objeto do amor só pode ser desejado quando lhe falta e não quando possui, pois ninguém deseja aquilo de que não precisa mais. Segundo Platão, o que se ama é somente "aquilo" que não se tem. E se alguém ama a si mesmo, ama o que não é. O "objeto" do amor sempre está ausente, mas sempre é solicitado. A verdade é algo que está sempre mais além, sempre que pensamos tê-la atingido, ela se nos escapa entre os dedos.
Alcibíades, o sétimo orador, procura muito mais fazer um elogio a Sócrates do que discorrer sobre o amor.

DOWNLOAD DO LIVRO O BANQUETE (O AMOR, O BELO), DE PLATÃO

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