Livro "Discurso do método para bem conduzir a própria razão e procurar a verdade nas ciências" de René Descartes |
Cogito
ergo sum. "Penso, logo existo". Tal proposição resume o espírito de
René Descartes (1596-1650), sábio francês cujo Discurso do Método inaugurou a
filosofia moderna. Em 1637, em uma época em que a força da razão tal qual a
conhecemos era muito mais do que incipiente, e em que textos filosóficos eram
escritos em latim, voltados apenas para os doutores, Descartes publicou
Discurso do Método, redigido em língua vulgar, isto é, o francês. Ele defendia
o "uso público" da razão e escreveu o ensaio pensando em uma
audiência ampla. Queria que a razão - este privilégio único dos seres humanos -
fosse exatamente isso, um privilégio de todos homens dotados de senso comum.
Trata-se
de um manual da razão, um prático "modo de usar". Moderno, Descartes
postulava a ideia de que a razão deveria permear todos os domínios da vida
humana e que a apreciação racional era parâmetro para todas as coisas, numa
atividade libertadora, voltada contra qualquer dogmatismo. Evidentemente, tal
premissa revolucionária lhe causaria problemas, sobretudo no âmbito da igreja:
em 1663, vários de seus livros foram colocados no Índex. Razão alegada: a
aplicação de exercícios metafísicos em assuntos religiosos.
A
forma discursiva utilizada por Descartes é a narrativa autobiográfica. O
Discurso do Método não é um tratado científico, tampouco um manual pedagógico:
“Assim, o meu desígnio não é ensinar aqui o método que cada qual deve seguir
para bem conduzir sua razão, mas apenas mostrar de que maneira me esforcei por
conduzir a minha.” Continua ainda: “Mas, não propondo este escrito senão como
uma história, ou se o preferirdes, como uma fábula...” O filósofo francês não
visa a impor uma doutrina; ele declara sua intenção de mostrar sua insatisfação
e os caminhos que percorreu para solucionar seus questionamentos. Para isso,
ele conta a história de sua vida pessoal, da metafísica, da física e do método
científico. Descartes deseja mostrar o método que ele escolheu, sua exposição
não é um modelo, mas uma autobiografia intelectual: uma narrativa de eventos
passados em que um indivíduo relata sua reforma nos hábitos de racionalizar e
perceber o universo físico.
A
narrativa procura demonstrar a história de um indivíduo desejoso de evitar a
ilusão. Para isso, eventos são escolhidos e organizados, a experiência pessoal
é apresentada e serve de base para apresentar uma possibilidade de vitória
sobre a incerteza. Duas técnicas narrativas são utilizadas: a representação e a
narração.
A
primeira técnica diz respeito a condução do processo narrativo. Descartes leva
o leitor a uma participação da experiência do eu-narrador; o filósofo o faz
acompanhar sua história passo a passo, mostrando suas indagações, receios,
fatos significativos, proposições, enfim, sua vida.
A
segunda relaciona-se, principalmente, com o próprio fato de que há um
reconhecimento do caráter narrativo do texto, uma consciência de que o filósofo
é um narrador que relata uma série de eventos a um leitor.
O
texto conjuga a narração e o discurso direto, a narrativa e a proposição, a
dúvida e a elaboração da verdade.
Discurso
do Método mostra por que Descartes - para quem "mente",
"espírito", "alma" e "razão" significavam a mesma
coisa - marcou indelevelmente a história do pensamento.
Em
seu livro, René Descartes, aborda a maneira de se obter, perante a vida, maiores
conhecimentos. Descartes buscava na verdade, provar a existência de Deus
através da ciência, através da razão. Para provar isso, este filósofo utilizou
um método que vinha desenvolvendo há algum tempo, baseado em evidências, em ideias
claras e distintas e em recusar-se a utilizar-se de qualquer coisa sem estar
coberto de certeza.
Ainda
no Discurso do Método, o autor destaca os motivos pelos quais chegou a tais
conclusões, relatando sua vida e toda sua formação. Descartes faz severas
críticas ao ensino nas escolas, podemos aqui destacar seu desencanto, desde os
tempos de colégio, com a “ciência oficial” da época, considerando a mesma
estagnada em volta dos pensamentos dos antigos filósofos.
Este
filósofo sugeriu alguns elementos fundamentais para o conhecimento. Destaca
então, as viagens, a procura em si mesmo e a leitura de bons livros. Para obter
maiores conhecimentos, num primeiro momento citou que é fundamental
desvencilhar-se de exemplos e costumes que formaram a base para o conhecimento
atual, no Discurso do Método ele diz: pouco a pouco, livrei-me de muitos erros
que podem ofuscar a nossa luz natural e nos tornar menos capazes de ouvir a
razão.
O
texto mais famoso de Descartes, Discurso do Método, além de uma sumária
exposição do método, ou das principais regras do método é, também, uma
autobiografia de Descartes. Nesse texto não nos diz como devemos proceder para
alcançar a verdade, mas como ele, Descartes, procedeu para alcançá-la.
Esse discurso
está dividido em seis partes:
Primeira parte - Encontra-se
diversas considerações atinentes às ciências. Nesta parte do Discurso, Descartes
fez um balanço, um inventário de seu débito com o colégio e os professores, bem
como com os livros que teve oportunidade de ler. Feito esse balanço, esse
inventário crítico, especialmente em relação à teologia, à filosofia, à
história e às ciências fundadas na filosofia, Descartes liberta-se dos
preceptores, abandona o estudo das letras e passa a procurar apenas a ciência
que poderia encontrar nele mesmo ou no grande livro do mundo.
Segunda parte - Nesta parte
estão as principais regras do método. Fica patente a prevenção, a desconfiança,
em relação a tudo o que nos foi ensinado e que aprendemos à nossa revelia,
antes de dispor do pleno uso de nossa razão. Suposição que já revela a essência
do cartesianismo, a crença em uma razão intemporal, que seria possível
restaurar em sua pureza e integridade, desde que dela fosse excluído tudo o que
se deve ao ensino, à leitura, à educação. Confiando apenas na razão, na sua
razão, individual e intemporal, Descartes acrescenta que, em relação a todas as
opiniões que até então admitira o melhor que podia fazer era rejeitá-las,
embora viesse a readmiti-las posteriormente, ou outras melhores, ou as mesmas,
desde que "ajustadas ao nível da razão".
Descartes
foi levado a verificar que "o costume e o exemplo nos persuadem mais do
que um conhecimento certo". Método, como o leitor deve saber, significa,
etimologicamente, caminho. Seguir um método corresponde, pois, a caminhar em
direção determinada, quer dizer, com a consciência do fim a que se quer chegar.
Com
tais preocupações procurou um método que, incluindo as vantagens da lógica, da
geometria e da álgebra, evitasse, ao mesmo tempo, os seus inconvenientes.
Formula, então, as famosas quatro regras fundamentais, que deverão desdobrar-se
e multiplicar-se nas Regras para a direção do Engenho.
Primeira
regra:
evitar a prevenção e a precipitação, só aceitando como verdadeiras as coisas
conhecidas de modo evidente como tais e não admitir no juízo senão o que se
apresentasse clara e distintamente, excluindo qualquer dúvida.
Segunda
regra:
dividir cada dificuldade em tantas parcelas quanto seja possível e quantas
sejam necessárias para resolvê-las.
Terceira
regra:
Conduzir em ordem os pensamentos, começando pelos mais simples e mais fáceis de
conhecer, a fim de ascender, pouco a pouco, por degraus, até o conhecimento dos
mais compostos, supondo uma ordem mesmo entre aqueles que não precedem
naturalmente uns aos outros.
Quarta
regra:
fazer sempre inventários tão completos e revistas tão gerais que se fique certo
de nada ter omitido.
Aqui
ele constitui o preceito metodológico básico – é que só se considere verdadeiro
o que for evidente, ou seja, o que for intuível com clareza e precisão. Mas a
ampliação da área do conhecimento nem sempre oferece um panorama permeável à
intuição, e, conseqüentemente, adequado à pronta aplicação do preceito da
evidência. Eis por que Descartes propõe outros preceitos metodológicos
complementares ou preparatórios da evidência: o preceito da análise (dividir
cada uma das dificuldades que se apresentem em tantas parcelas quantas sejam
necessárias para serem resolvidas), o da síntese (conduzir com ordem os
pensamentos, começando dos objetos mais simples e mais fáceis de serem
conhecidos, para depois tentar gradativamente o conhecimento dos mais
complexos) e o do enumeração (realizar enumerações de modo a verificar que nada
foi omitido). Tais preceitos representam a submissão a exigências estritamente
racionais. E justamente o que Descartes prescreve como recurso para a
construção da ciência e também para a sabedoria de vida é seguir os imperativos
da razão, que, a exemplo de sua manifestação matemática, opera por intuições e
por análises.
Na
primeira regra, está enunciado o que, para Descartes, é o critério da verdade,
a clareza e a distinção das ideias. Essa expressão é repetida ao longo de toda
obra de Descartes, como uma das teses fundamentais de sua teoria do
conhecimento.
A
razão cartesiana é a matemática que, no plano do pensamento, e sem sair do
pensamento, extrai, ou deduz, as ideias umas das outras, com a certeza de que,
sendo essas ideias claras e distintas e achando-se dispostas em ordem contínua
e ininterrupta, devem necessariamente corresponder à ordem em que se acham
dispostas as próprias coisas.
Ainda
na Segunda parte do discurso, Descartes nos diz que, de todos os que procuraram
a verdade científica, só os matemáticos encontraram a verdade científica, só os
matemáticos encontraram, ou formularam, algumas demonstrações, ou seja,
conseguiram demonstrar alguma coisa, com razões certas e evidentes.
Terceira parte
-
Nesta parte estão algumas das regras da Moral que tirou desse método. Descartes
parte da dúvida chamada metódica, porque ela é proposta como uma via para se
chegar à certeza e não é dúvida sistemática, sem outro fim que o próprio
duvidar, como para os céticos. Argumenta que tais ideias em geral são incertas
e instáveis, sujeitas à imperfeição dos sentidos. Algumas, porém, se apresentam
ao espírito com nitidez e estabilidade, e ocorrem a todas as pessoas da mesma
maneira, independentes das experiências dos sentidos, e isto significa que
residem na mente de todas as pessoas e são inatas.
Na
Terceira parte acham-se formuladas as máximas fundamentais do que Descartes
chamou de "moral provisória", pois a moral que se poderia chamar de
definitiva, jamais foi enunciada de forma sistemática, achando-se dispersa no
texto sobre "As paixões da alma". São as seguintes máximas dessa
moral provisória: primeira – "...obedecer às leis e aos costumes do meu
país, conservando constantemente a religião na qual Deus me deu graça de ser
instituído desde a infância...". A Segunda máxima recomenda ser firme e
resoluto quanto pudesse e não estando em nosso poder discernir as opiniões mais
verdadeiras, devemos seguir as mais prováveis. A terceira máxima, aconselha a
procurar vencer-se sempre e não a fortuna, a mudar nossos desejos e não a ordem
do mundo, acostumando-se de modo geral, a acreditar que só os pensamentos estão
em nosso poder. A Quarta máxima aconselhava a fazer o inventário, o balanço das
ocupações dos homens a fim de escolher a melhor.
Quarta parte - Aqui estão
as razões pelas quais prova a existência de Deus e da alma humana, que são o
fundamento de sua metafísica. Na Quarta parte do discurso, que é um resumo das
Meditações Metafísicas, Descartes pretende provar a existência de Deus e da
alma humana, estabelecendo, com essas provas, os fundamentos de sua metafísica.
No primeiro parágrafo desse texto, o filósofo nos diz o seguinte: "Julguei
necessário fazer o contrário (do que fiz em relação a moral) e rejeitar, como
absolutamente falso, tudo o que pudesse ser objeto da menor dúvida, a fim de
verificar se, depois disso, não me restava, em minha certeza, alguma coisa
totalmente indubitável" Observa em seguida, que os sentidos nos enganam e
nos fazem perceber coisas, não como realmente são, mas como nos parecem ser.
Mas,
diz então Descartes, "ao pensar que tudo era falso, era necessário que, eu
que pensava, fosse alguma coisa; e observando que essa verdade: "Penso,
logo existo" era tão firme e tão certa, que todas as mais extravagantes
suposições dos céticos não eram capazes de abalá-la, julguei que poderia recebê-la
como o primeiro princípio da filosofia que eu procurava".
Descartes
ficou sabendo, assim, que era "uma substância cuja essência, ou natureza,
consiste em pensar" e que "para ser, não precisa de lugar algum, nem
depende de alguma coisa material". Em consequência, o eu, a alma, que
permite ao filósofo ser o que é, um pensador, é inteiramente distinta do corpo,
cujo conhecimento é mais fácil que o do corpo, pois mesmo que deixasse de
existir, a alma não deixaria de ser o que é.
Conclui,
então, que, assim como o mais perfeito não pode ser consequência do menos
perfeito, e, nada poder provir, tal ideia, do ser perfeito, ou da perfeição do
ser, só pode ter sido posta em nós por uma natureza mais perfeita do que a
nossa, e que inclui todas as perfeições, quer dizer, Deus. Em consequência,
conclui: "...é para mim tão certo que Deus, que é esse ser perfeito, é ou
existe, quão certa poderia ser qualquer demonstração da geometria."
A
regra, de acordo com a qual as coisas concebidas clara e distintamente são
todas verdadeiras, só pode ser garantida pela existência de Deus, ser perfeito,
do qual recebemos tudo o que se acha em nós.
Quinta parte - Nesta parte
está a ordem das questões de física que investigou, e, particularmente, a
explicação do movimento do coração e algumas outras dificuldades que concernem
à Medicina, e depois, também a diferença que há entre nossa alma e a dos
animais. E, na última, que coisas crê necessárias para ir mais adiante do que
foi na pesquisa da natureza e que razões o levaram a escrever.
Na
Quinta parte do discurso, Descartes faz um resumo de sua física deduzida de sua
metafísica. Após reiterar a tese da independência da alma em relação ao corpo,
pois sua natureza consiste no pensamento, e supondo que Deus a tenha criado,
acrescentando-a ao corpo, Descartes, em várias páginas do texto, faz uma
minuciosa descrição do coração e da circulação do sangue no corpo humano.
Sexta parte - Esta última
parte do Discurso trata de vários assuntos.
Um
aspecto importante na filosofia de Descartes é sua concepção de homem em
dualidade corpo-espírito. O universo consiste de duas diferentes substâncias:
as mentes, ou substância pensante, e a matéria, a última sendo basicamente
quantitativa, teoreticamente explicável em leis científicas e fórmulas
matemáticas.
Enfim,
o importante e o que constitui o preceito metodológico básico apontado no
Discurso do Método é que só se considere verdadeiro o que for evidente, ou
seja, o que for intuível com clareza e precisão.
FONTE:
Site Passei Na Web
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