Documentário de Felipe Lacerda revela como funciona o
sistema de vigilância, coerção e controle ideológico que sustenta o regime
cubano há quase 50 anos. Destaque para o depoimento de um médico que trabalha
como garçom, contraposto ao relato de uma senhora fidelista, chefe dos
dedos-duros de seu quarteirão.
A cada quarteirão, uma casa sedia o
Comité de Defensa de la Revolución (CDR), instalado desde os anos 60, com o
intuito explícito de proteger A Revolução, mantendo controle sobre o que ocorre
na vizinhança. E sem contar uma série de outras organizações sociais, voltadas
para setores específicos, mas que visam, sempre, "consolidar e defender a
sociedade socialista".
Nota-se nos depoimentos os semblantes das pessoas apáticas, temerosas. Ninguém confia em ninguém. Todos têm medo de todos. Como acreditar em amizade e solidariedade, quando os integrantes do CDR estão vigilantes 24 horas?
Assista aqui o documentário "Sofrer Calado". (Série Em Cuba)
Entrevista com o autor do documentario:
LUCAS NEVES
DA FOLHA DE SÃO PAULO
"A dupla moral é condição para se
viver em Cuba". A frase, do cineasta Felipe Lacerda, 37, é a senha para
entender os personagens e discursos contraditórios que povoam "Em
Cuba", série de dez documentários dirigidos por ele que estréia nesta
terça, às 21h, no Canal Brasil.
Durante as férias na ilha caribenha, a freqüência com que Lacerda (co-diretor de "Ônibus 174") se deparou com gente que elogiava o regime em público para, intimamente, desfiar um rosário de queixas o convenceu a prolongar a estada.
Durante as férias na ilha caribenha, a freqüência com que Lacerda (co-diretor de "Ônibus 174") se deparou com gente que elogiava o regime em público para, intimamente, desfiar um rosário de queixas o convenceu a prolongar a estada.
Assim, uma semana virou um mês, e ele
começou a entender a aparente esquizofrenia local. "Vi que, em qualquer
diálogo, devia considerar o quanto o cara estava falando porque queria que eu
ouvisse, o quanto estava querendo me enganar e o quanto queria dizer, mas não
podia."
De volta ao país a convite da Escola Internacional de Cinema e TV, sua câmera pôde passear por mais um mês. O saldo da temporada cubana: duas detenções (uma delas depois da denúncia de uma entusiasta do regime, que engabelou a equipe de filmagem enquanto a polícia se deslocava até sua casa), 17 abordagens policiais e 70 horas de material bruto.
Nas fitas, além do registro da encruzilhada política da ilha, Lacerda colheu depoimentos sobre consumismo, sexo, emigração e o imaginário estrangeiro sobre o país.
De volta ao país a convite da Escola Internacional de Cinema e TV, sua câmera pôde passear por mais um mês. O saldo da temporada cubana: duas detenções (uma delas depois da denúncia de uma entusiasta do regime, que engabelou a equipe de filmagem enquanto a polícia se deslocava até sua casa), 17 abordagens policiais e 70 horas de material bruto.
Nas fitas, além do registro da encruzilhada política da ilha, Lacerda colheu depoimentos sobre consumismo, sexo, emigração e o imaginário estrangeiro sobre o país.
Na entrevista a seguir, ele afirma que
não quis "ficar escarafunchando ferida", observa que "os cubanos
choram um pouco de barriga cheia" e se esquiva de comentar as deserções de
atletas cubanos no Pan.
POR QUE CUBA?
Cuba pautou nossa vida.
"Neguinho" aqui deu golpe de Estado para não transformarem o Brasil
na nova Cuba. A gente passou 20 anos de ditadura na defesa de um Estado que
seria a antítese do Estado cubano.
PREPARAÇÃO
PREPARAÇÃO
Não tinha tese, não queria provar nada.
Há várias maneiras de se fazer um documentário. Uma delas, talvez das menos
interessantes, é informar as coisas. Documentário, para mim, é experiência. A
informação é bônus. Essa série, na verdade, não é sobre Cuba, é sobre a troca
humana entre documentarista e documentado.
NOVA REVOLUÇÃO
Um dos grandes agrupadores de sentido
era a [ideia de] "revolução silenciosa". Depois da revolução de 1959
[que levou Fidel Castro ao poder], ocorre uma nova revolução lá, sem gritos, de
dentro para fora da cabeça das pessoas. É essa transformação sutil, cheia de
contradições, que fui registrar. Fico com medo de pensarem que "lá vai mais
um falar mal..." Não estou a fim de ficar escarafunchando ferida. A visão
não é de destruição, mas a sociedade está em choque permanente.
MISÉRIA
Cuba tem 12 milhões de habitantes, e deve haver dois milhões [de cubanos] nos EUA. Isso gera um intercâmbio de informação muito forte, gera comparações. Uma coisa que me parece óbvia é que as pessoas lá choram um pouco de barriga cheia. O cara que se acha miserável vive como classe " média" daqui.
CUBA PÓS-FIDEL
Não tenho bola de cristal para dizer
[como será]. De várias pessoas, escutei: "Quero mudanças, mas dentro do
sistema. Não quero que isso aqui vire uma selva capitalista". As pessoas
têm um pouco de pudor em relação à mudança. Para onde [o país] vai? Vai ficar
sozinho, contra o mundo lá fora, ou virar país periférico, voltar a ser a puta
do Caribe -como diz um personagem-, quando o histórico é de autodeterminação?
DESERÇÕES CUBANAS
Rejeito a ideia de que o documentarista
vira especialista naquilo que documenta. Estou a serviço do filme, não do
objeto dele. Mas entendo que, se "neguinho" pode ganhar US$ 10
milhões, por que ficar nos US$ 10? Ao mesmo tempo, a formação dele no esporte é
resultado de um investimento estatal...
Veremos a seguir relatos da fotografa e documentarista Dani Tranchesti sobre sua estadia em Cuba:
A CUBA QUE A
TV NÃO MOSTRA
22/02/2014 por DANI TRANCHESI
Tínhamos a ideia inicial de ficar em um barco e
mergulhar em Cuba, mas tivemos problemas com ele e ficamos hospedados num velho
hotel de Havana.
Os
mergulhos foram deixados de lado e acho que foi melhor, já que conseguimos
conhecer Havana muito bem.
A
capital (e acredito que o país inteiro) foi marcada cruelmente pelos anos de
comunismo e embargo. O que se vê nas ruas é um povo muito pobre, sem acesso ao
básico e sem ter informações tão comuns pra gente. O país vive com duas moedas
impressas pelo governo: uma, chamada de Peso Cubano, é a oficial e serve para o
pagamento dos salários; a outra é Peso Convertido, usado pelos
estrangeiros, e que, aliás, funciona muito bem no mercado negro. Acontece que o
Peso Convertido vale 32 vezes mais que o Cubano, o que faz com que exista uma
caça por essa moeda tão mais valiosa. Em Cuba existe um mercado paralelo
para tudo, desde charutos a alimentação e passeios.
Encontramos médicos que abandonaram a profissão
para virarem taxistas, já que salvando vidas ganham cerca de 30 dólares por
mês, equivalente ao que conseguem em apenas uma única corrida com turistas.
Cada
cubano tem uma caderneta, onde ele anota tudo que comprou de alimentos,
produtos de limpeza e higiene. Eles têm uma cota mensal de compras e, caso
queiram algo a mais (o que é bem comum, já que as quantidades são pequenas),
precisam buscar no mercado negro pagando em Pesos Convertidos.
Essa
economia estranha fez o país desmoronar. Grandes casarões, que deveriam ser
lindos, transformaram-se em ruínas habitadas conjuntamente por várias famílias,
como cortiços, um ao lado do outro. Ninguém tem dinheiro pra consertar nada e
mesmo que tivessem, porque o fariam, já que nada é deles e sim do governo? Os
carros são velhos e o que se sente é que o país parou no dia da revolução, ou
um pouco depois, quando as coisas ficaram pretas com os Estados Unidos.
Todos
os livros, revistas ou brochuras que vi eram sobre Fidel, Che Guevara ou a
Revolução. A censura ferrenha não deixa nada de diferente aparecer e a Internet
ainda é controladíssima, praticamente só encontrada em hotéis – a Pesos
Convertidos, obviamente!
Foi uma experiência incrível e bem importante
historicamente, ainda mais nessa época onde parece que as coisas estão
começando a mudar. Adorei conhecer esse povo tão sofrido, mas tão caloroso.
Fotograficamente falando, foi uma das grandes experiência da minha vida.
FONTE:
Reportagem: Série vê Cuba em choque constante. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1208200710.htm
Blog Dani Tranchesti: A Cuba que a TV não mostra. Disponível em: http://danitranchesi.com/a-cuba-que-a-tv-nao-mostra/
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